sábado, 13 de maio de 2006

restos


“O Homem”,

como era conhecido

vivia num barraco,

isolado,

por onde a própria solidão

teimava em não passar...

Na rua, os cães ladravam,

mas a caravana não passava,

poisque, por ali, ninguém

ousava pisar terreno

Tinha trinta e três anos.

O papel de parede do seu barraco

feito de recortes de jornais

de tempos, idos,

em que ele fora famoso:

“menino-prodígio”

“medalha de ouro para inventor português”

“doutoramento em Oxford”

“milionário hereditário”

e...

... tantos outros títulos honoríficos.

Entrementes a vida

virou-se do avesso.

Mulheres de má vida,

jogos de azar,

tabaco e vinho,

eis os carrascos

d’ “o Homem”.

Vivia dos restos

que catava nas vicinais lixeiras,

já que, por vergonha,

- se a um mendigo

lhe é permitido tê-la –

não estendia a mão

nem batia às ricas portas,

que se fechavam

sem nunca se haverem aberto.

As lágrimas,

amargas,

sulcavam rugas naquele belo rosto

coberto por ruivos pêlos,

lavando-lhe os remorsos

de ter sido um mendigo

enquanto homem,

e de ser “o Homem”

enquanto mendigo.

A Via-sacra da sua

mendicante vida

aproximava-se do Calvário,

já que a sua cruz,

pesada,

esmagava-o contra a terra

que o convidava a

tornar-se em pó.

Morreu...

Ninguém deu pela sua falta;

a vicinal lixeira acolheu-o

e deu-o como restos

...aos bichos


in "Oráculo Luminar" (José Amaral)

4 comentários:

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