domingo, 23 de maio de 2010









Maias


Maio!

A paisagem veste-se
de verde,
de diferentes tonalidades.

O amarelo
também adorna
a agreste paisagem;
o amarelo-vivo
dos tojos,
- que até fere a vista -
e o amarelo-desmaiado
das giestas,
dão uma aparência
de demência ambiental
provocada pela incúria
dos homens.


(in "Outonalidades", José Amaral)

quarta-feira, 12 de maio de 2010


CidampO

Um crepuscular fim de tarde,
rubicundo,
fez-me deixar os montes citadinos
despidos de gentes
e correr para as campestres ruas
amontoadas daquelas.

Procuro no bulício calmo
do campo,
a acalmia turbulenta
que acotovelei na cidade.

O roncar monocórdico dos tractores
da pequena cidade
recorda-me o infernal trânsito
do grande campo.

Os pássaros da cidade
presos em gaiolas de ar livre,
contrastando com os do campo,
livres em outras de betão.

Na cidade não conseguia ter
um momento de descanso,
poisque são tantos
os sons
os cheiros
as cores,
que me fazem sentir
...no Paraíso.
Tampouco, no campo consigo ter
um momento de turbulência,
poisque são tantos
o barulho
o fedor
a monocromia,
que me fazem sentir
...no Inferno.


Serei assi tão afortunado
por viver no campo
- fisicamente -
e na cidade
- mentalmente -
ou amaldiçoado,
p’lo contrário?


(in "Poder da Díctamo", José Amaral)

domingo, 9 de maio de 2010

viagem histórica

A sugestão literária de hoje é O Romance de S. Petersburgo (casa da letras, 307 páginas), de Vladimir Fédorovski.
Trata-se de uma viagem emotiva e deslumbrante pela vida e amores dos czares Catarina e Pedro e dos escritores Pushkin e Dostoievski na Veneza do Norte. Além disso, através da leitura desta obra vamos ficando a conhecer esta cidade.Na contracapa podemos ler:
«Grandes czares e escritores deram as melhores pistas para decifrar os mistérios desta cidade sedutora. Fizeram-me viajar no tempo, pelos palácios cintilantes que, como toda a arquitectura de São Petersburgo, não conhecem limites, não se parecem com qualquer outro estilo. Foi a arquitectura ou tão-somente a alma russa que realizou estes caprichos com uma tal fantasia, com estes contrastes, estas cores, estes jogos de luz, lembrando as contradições dos dramas históricos? O que resta destes percursos iniciáticos no coração desta cidade insólita? O amor que nasce e morre para persistir nas memórias…»
Estas perguntas são-nos devidamente esclarecidas. Ao longo do livro vamos contactando com as histórias amorosas de Pedro I e de Catarina II (a sua imperatriz camponesa), mas também de escritores famosos como Pushkin e Dostoievski. A leitura deste romance envolve-nos numa viagem, histórica, através dos tempos (desde a sua fundação nas margens do Neva, pela vontade de Pedro o Grande), por São Petersburgo.
A leitura é fácil, pois a escrita é extremamente agradável. Vale a pena ler.

(José Amaral)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Mais uma sugestão literária a registar. Desta feita trata-se de um livro finalista do “Booker Prize” e do “Orange Prize”, além de ter sido vencedor do “AMI Literature Award” e do “Betty Trask Prize” 2009. Trata-se de Os Espaços em Branco (Bertrand Editora, 315 páginas), de Samantha Harvey. É um romance que nos faz pensar, que perturba, mas que vale a pena ler. Fala-nos de um tema delicado, a doença de Alzheimer. Narra a história-puzzle de Jake, uma história inconstante com muitos espaços em branco. É a própria natureza da memória que empresta os seus ritmos à narrativa, que vai construindo e minando alternadamente a sua estrutura, expondo assim duplamente um quadro daquilo que é – em toda a sua fragilidade, em toda a sua ternura e imperfeição – ser-se humano.
Aqui fica a sinopse:
«É o dia de aniversário de Jake e ele sobrevoa uma paisagem familiar: que o viu crescer, casar-se, onde trabalhou. Mas já não é o mesmo homem: a mulher morreu, tem o filho na prisão e está prestes a perder o seu passado.
Jake sofre de Alzheimer. À medida que a doença vai avançando, Jake esforça-se por manter presente a sua história, as suas memórias e identidade, mas elas escapam-lhe e deixam de ser credíveis. O que aconteceu à sua filha? Está viva ou morreu há muito? E porque é que o filho foi preso? O que correu assim tão mal na sua vida? Houve em tempos uma cerejeira e um vestido amarelo, mas o que significam exactamente? Ajudado por Eleanor, uma amiga de infância com quem, por alguma razão desconhecida, ele agora dorme, Jake tenta resistir à inevitabilidade do esquecimento, mas os principais acontecimentos da sua vida estão sempre a mudar, embora ele tente fixá-los, e aquilo que até recentemente parecia sólido funde-se em sonhos surreais ou cenários de pesadelos. Poderá ainda salvar alguma coisa da destruição? A beleza, talvez, a memória do amor, ou absolutamente nada?»
Não há que ter medo em ler este livro. Há que ter coragem de lê-lo, mais não seja para conseguirmos entender todos aqueles que vivem – directa ou indirectamente – este drama.

(José Amaral)

sábado, 1 de maio de 2010

Dia da MÃE


Poema à mãe


No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite. Eu vou com as aves!


(Eugénio de Andrade)