sábado, 18 de novembro de 2006

Catalunha JOAN MARAGALL (1860-1911)


A VACA CEGA

Tropeçando num e noutro tronco,

caminhando a esmo para a fonte,

vem a vaca sozinha. É cega.

De uma pedrada atirada com força

o vaqueiro vazou-lhe o olho, e o outro

ficou como esse; a vaca é cega.

À fonte vem beber como soía,

sem os passos firmes de outras vezes,

nem com as companheiras, vem sozinha.

Suas companheiras por barrancos e azinhagas,

pelo silêncio dos prados, nas ribeiras

fazem soar o chocalho enquanto pascem

fresca erva ao acaso… Ela cairia.

Dá com a cabeça na pia já gasta

e recua assustada… Mas insiste,

abaixa a cabeça e bebe lentamente.

Pouco, sem muita sede. Ergue depois

ao céu, enorme, a cabeça com os cornos,

num gesto grande e trágico; pestaneja

sobre as mortas pupilas e regressa,

vacilando, pelos carreiros que não esquece,

brandindo languidamente a longa cauda.


(Trad.: José Bento, in “Rosa do Mundo”)

Sem comentários: