quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Grande entrevista


Acabo de ler na revista “Visão” desta semana (N.º 760. 27 de Setembro 2007) uma entrevista a António Lobo Antunes. Considero esta entrevista pouco usual em Lobo Antunes, pois ele em entrevista sempre se portou como um “lobo” (ao ataque) e pouco se dando a conhecer. Nesta entrevista dá-se a conhecer como um “cordeiro”. Uma entrevista muito humana que vale a pena ler na íntegra.
O Ad Litteram deixa alguns excertos.


Ficou comovido com o acolhimento que teve agora em Berlim, no Festival Internacional de Literatura? Comovido é uma palavra exagerada. Agora, a qualquer lado onde vá, é sempre assim. (…) Queriam um autógrafo não num livro, mas num pedacinho de papel. Como se eu fosse o Enrique Iglésias.
E com o Prémio Camões, que recebeu no princípio deste ano, comoveu-se? (…) um prémio em nada tem a ver com a literatura, na medida em que não melhora nem piora os livros. Um prémio é só um prémio.
As noites num hospital duram mais? São infinitas. E é aí que aparece o desamparo. Não estou a falar de mim, estou a falar de uma maneira geral. (…)
Ao regressar ao livro, sentiu-o como seu? Claro. Ninguém escreve assim. Não tenho a menor dúvida de que não há, na língua portuguesa, quem me chegue aos calcanhares. E nada disto tem a ver com vaidade porque, como sabe, sou modesto e humilde. A doença trouxe-me isso. (…)
A que é que perguntava? Ao médico e a uma ou duas pessoas que faziam o favor de se interessar por mim. Não há nada de mais horrível do que a cobardia. Compreendi a frase de Hemingway, quando quiseram saber o que é que ele achava da morte e a resposta foi: «Outra puta». Porque a morte é uma puta e, a uma puta, não se pode dar confiança. Uma amiga, que é minha médica, disse-me: «Tens que aprender a viver com isto». Não, não tenho. Não tenho que viver com um filho da puta. Eu não vivo com um cabrão, quero destruí-lo, não quero viver com ele.
Na guerra, já tinha visto a morte de perto? Na guerra, era mais fácil (…) Eu agora tinha a morte dentro de mim. E é horrível estar grávido da morte. Portanto, o tratamento é como fazer um aborto desse monstro que nos quer destruir. (…) Isso não é falsa modéstia? Não tenho falsa nem verdadeira modéstia. Sou orgulhoso, não sou vaidoso. Para quê estar a jogar consigo? O que é que eu ganho? Acho graça à maneira como, nas entrevistas, as pessoas se tentam compor, se penteiam para arranjar o cabelo, ajeitam a gravata, retocam a maquilhagem. Para quê? Para seduzir? Para tentar que gostem delas? Para fazer boa figura perante os leitores? Tudo isso já me é completamente indiferente. É uma conquista recente, ganha com tudo aquilo por que passei. Estar aqui à sua frente é a única maneira de estar. E é a primeira vez que o faço.

(José Amaral)

10 comentários:

david santos disse...

Obrigado, Amaral!
Adoro ler tudo o que Lobo Antunes escreve.

Parabéns.

Amaral disse...

David
Também sou apreciador de Lobo Antunes, embora nem sempre goste de ler tudo que escreve, mas esta entrevista agradou-me imenso.
Abraço

Al Cardoso disse...

So pelo que nos apresenta ja vejo que e uma entrevista "e peras"! O Lobo Antunes e um escritor de que gosto sobremaneira.

Um abraco e bom fim de semana.

Isabel Filipe disse...

fiquei arrepiada com os excertos que aqui colocaste ... gostei muito...


beijinhos e bom fim de semana

Amaral disse...

Al Cardoso
A entrevista merece realmente ser lida na integra.
Também gosto de Lobo Antunes, mas não de tudo.
Bom fim-de-semana
Abraço

Amaral disse...

Isabel
Então se ler na íntegra a notícia mais arrepiada vai ficar.
Bom fim-de-semana
Bjo

Meg disse...

Caro Amaral,
Ainda não li e entrevista, mas vou lê-la, como tenho lido "quase" tudo o que Lobo Antunes tem escrito. As crónicas na Visão, sempre.
Este é ele mesmo, desconcertante.
E é deste desconserto que eu gosto particularmente, embora me seja doloroso... nas presentes circunstâncias.
Um abraço

Amaral disse...

Meg
Sim, desconcertante, só é pena ser nesta situação pós-cancro.
Abraço

Rui Caetano disse...

Naturalmente que já tinha lido esta entrevista, mas é sempre importante aconselhar ou lembrar que há pessoas, neste caso escritores, que pertencem a um patamar da vida diferente do ramram de cada dia.

Amaral disse...

Rui
Espero que tenha gostado do que leu. Eu gostei.
Sim, há pessoas num patamar superior, embora todos sejamos iguais.
Abraço