sábado, 8 de março de 2008

Lembrança Póstuma

Ontem tive conhecimento do desaparecimento de alguém que me marcou, que muito me ensinou e que se tornou (ainda que apenas através de correspondência escrita) meu amigo. O Professor Doutor Joaquim de Montezuma de Carvalho (que fez um comentário muito elogioso ao meu livro "Outonalidades") deixou de privar connosco. Contudo, a sua presença e sabedoria permanecerão entre nós. Vivas, assim o espero. O Ad Litteram reproduz aqui a notícia publicada ontem no jornal "O Primeiro de Janeiro".
A esse grande vulto da culturalidade, a minha Justa Homenagem. Até já amigo...
«Um mensageiro da universalidade
Joaquim Montezuma de Carvalho faleceu ontem, às 6h40, no Hospital S. José, em Lisboa, vítima de doença prolongada. O corpo estará hoje em câmara ardente a partir das 16h00 na Capela Nossa Senhora dos Remédios, em Alfama, donde sairá amanhã às 9h30 para o Cemitério do Alto de São João, onde se realiza o funeral pelas 10h00.
Ana Sofia Rosado

O filho Joaquim Montezuma de Carvalho, também advogado, falou ao JANEIRO do legado do seu pai – “um homem das letras, um filósofo que abominava a política”. Nascido na freguesia de Almedina, em Coimbra, no dia 21 de Novembro de 1928, Joaquim Montezuma de Carvalho licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra. No final dos anos 50, o jovem advogado partiu para Angola. Começou por ajudante de conservador em Nova Lisboa, cidade onde fez carreira nas conservatórias. Chegou a conservador do registo civil e comercial de Lourenço Marques, onde casou com Maria Júlia Neto da Silva, acumulando funções na magistratura. O filho único recorda, desde tenra idade, o gosto do pai pela escrita, pelos escritores e pela literatura, que considerava universal e una. “Não era pessoa de perder tempo a ver televisão ou a ir ao cinema. Os seus temas de conversa à hora da refeição eram um regresso aos escritores”, recorda. Amigo do poeta Jorge Luis Borges, que conheceu na Argentina, do escritor colombiano Gabriel García Marquez e do autor mexicano Octavio Paz, ambos prémios Nobel da Literatura, e de Aquilino Ribeiro, o pensador Joaquim Montezuma de Carvalho gostava de se isolar no meio dos livros, queria ter o essencial e era um homem de gostos muito simples: “O meu pai não se interessava pelas questões monetárias, apesar de ser advogado como eu”. O filho adianta: “Quando ele era novo teve autismo e fechava-se na biblioteca do meu avô, o filósofo e historiador figueirense Joaquim de Carvalho”. De regresso a Portugal, em 1976, exerce advocacia em Lisboa e dá início a uma carreira de escritor e de divulgador da cultura portuguesa. Os seus escritos, que versam sobre literatura, filosofia e história figuram principalmente no estrangeiro.
Colaborador com aprofundados ensaios do «das Artes das Letras» de O Primeiro de Janeiro desde 1999, “todas as segundas-feiras, pedia-me para o tirar da Internet”, recorda. Joaquim Montezuma de Carvalho despertou o interesse do filho por diversos autores. “Eu gostava muito de Júlio Verne, de Camilo Castelo Branco, de Eça de Queirós e ele apresentava-me os grandes autores mundiais”, partilha, lembrando que trocavam frequentemente impressões sobre o que estava a escrever.
Autor de vasta obra no campo do ensaio, Joaquim Montezuma de Carvalho foi distinguido com a Medalha José Vasconcelos, no México, atribuída pela Frente de Afirmación Hispanista, com sede em Nova Iorque, pelo volume «O Panorama das literaturas das Américas». Por ser autor de uma vasta bibliografia consagrada às culturas portuguesa e hispânica, foi designado, em 1999, Cavaleiro da Ordem de S. Eugênio de Trebizonde - de Espanha.


“Defensor da Lusofonia”
A directora do jornal O Primeiro de Janeiro, Nassalete Miranda, recorda que foi pela mão de José Augusto Seabra que Joaquim Montezuma de Carvalho se aliou ao suplemento literário «das Artes das Letras», desde a primeira hora: “Trouxe-nos semanalmente novos escritores e velhos escritores com palavras novas, de todo o mundo. Este é um exemplo de que a literatura não tem fronteiras”. “Defensor a tempo inteiro da Lusofonia”, acrescenta, “trouxe a este suplemento inúmeras vozes da América Latina, das mais conhecidas às que dão agora os primeiros passos, tanto na prosa como na poesia”.»


(in O Primeiro de Janeiro, edição online, 7MAR08)

12 comentários:

Meg disse...

Caro Amigo, tanta gente a partir e tão cedo!
O meu abraço solidário e o meu silêncio de solidariedade,

Um abraço

Isabel Filipe disse...

Junto-me a esta tua homenagem ...

como tive oportunidade de te dizer conheci-o pessoalmente, lá em Lço Marque ... pois ele foi amigo do meu pai ... que também era advogado...


que descanse em Paz.

bjs

Amaral disse...

Meg
Isso é verdade, embora saibamos que é a lei da vida.
Por vezes conhecemos as pessoas (diria que entram na nossa vida) tarde de mais. Com o Professor Joaquim de Montezuma de Carvalho passou-se isso. Gostaria de ter privado mais tempo e de mais perto com ele, mas fica a lembrança e o respeito por um ser maravilhoso.
Abraço

Amaral disse...

Isabel
Sim já havias dito isso, num post aqui no Ad Litteram sobre um livro da sua autoria.
Bjo

A. João Soares disse...

Amaral, Temos que nos resignar com os ditames da Natureza, por mais que nos custe. Nada é nosso, nem os familiares nem os amigos e quanto mais nos afeiçoamos mais sentimos o seu desaparecimento. Hoje uns amanhá outros e nós. Há dias também fiquei com muitas saudades do Prof Joel Serrão que foi meu professor de história e com quem aprendi a olhar os factos na sua interacção e não isoladamente. Gosto do seu gesto de recordar e homenagear um homem de valor. É uma atitude digna que o enaltece.
Abraço
João

Amaral disse...

João
Tem razão. Ninguém manda, só o Criador. "Lembra-te ó homem que és pó e em pó te hás-de tornar".
A minha atitude é digna, mas é acima de tudo justa.
Abraço

Paulo disse...

Há sempre alguém que nos "marca" por várias razões. Tudo isto porque ao percorrer o mundo, encontramos, por vezes, personalidades raras que nos surpreendem, que nos impressionam!
A sua partida, deixa sempre aquele "aperto" no peito. "aperto" que marca indiscutivelmente o nosso quotidiano, o quotidiano das ideias quando outros quotidianos não ficam, também, algemados pela saudade.
Mas...a vida é assim mesmo...
Abraço
Paulo

Amaral disse...

Paulo
Talvez não sejam muitos os que nos marcam, mas aqueles que nos "marcam" merecem que os honremos.
A melhor homenagem que posso prestar ao Professor Doutor Joaquim de Montezuma de Carvalho é orgulhar-me de o ter conhecido.
Abraço

Anónimo disse...

Caro Amaral,

Há bem pouco tempo tentei dar-lhe notícias de meu padrasto/padrinho, informando-o do seu estado de saúde, num comentário feito à sua crítica da obra "Do tempo e dos Homens" publicada no seu blog. Lá, também comentei/informei do falecimento deste grande homem com quem privei familiarmente durante quarenta anos. A grandiosidade deste homem mede-se, não só pela sua obra, mas igualmente pela forma como encarou a morte. Encarou-a de olhos nos olhos, sem temor e sem histeria. Apenas lamentou não poder ter mais tempo para terminar o que se propunha. Quando soube que a sua doença era terminal, resolveu organizar as suas coisas, solicitando a minha mãe e ao meu irmão (seu filho consaguíneo) que encaminhassem para determinados locais os seus escritos. Realizou connosco filho, enteados (somos dois) noras e netos, um almoço de despedida que calmamente referenciou na dedicatória de cada exemplar do livro que nos ofereceu: "Para o Mário Jorge e família, esta lembrança do Fomingo 3 de Fevereiro - 2008 em que a família Carvalho e Ferreira se reuniu para a minha despedida... con afecto, J.M.C."
Que palavras mais poderia dizer acerca da sua grandiosidade?... Talvez que, se despediu de um dos seus irmãos que o visitava a saber da sua saúde, com um sorriso alegre, mesmo brejeiro, pedindo a minha mãe que abrisse uma garrafa de Martini e com ela fazer "uma saúde, dizendo adeus" como se comemorasse a partida para uma viajem fantástica. Dois dias depois deu entrada no hospital e, veio a falecer menos de vinte e quatro horas depois.
Seus últimos desejos: que suas cinzas fossem lançadas a dois tempos. Metade no mar da Figueira da Foz, sua cidade berço e outra metade, no Mondêgo, na cidade de Coimbra, onde passou a sua juventude e concluiu os estudos.
Um bem haja. Mário Ferreira

Amaral disse...

Mário
Obrigado por partilhar comigo, e com os leitores deste blog, estas suas palavras.
Foi tomando conhecimento do estado de saúde do seu pai/padrinho em contacto telefónico com ele (cerca de um mês antes da sua morte) e por amigos comuns.
Realmente perdeu-se um grande Homem, de grande lucidez, postura e inteligência.
As minhas condolências.
Abraço

Anónimo disse...

Não posso deixar de me juntar a esta mais que justa homenagem a um Grande homem a quem tive a honra de poder chamar "padrinho". Tive, embora que muito breve o previlegio de privar com ele.Digo breve porque fui afilhada dele em Lourenço Marques mas quiz a vida que se perdesse o contacto. Só anos mais tarde consegui o rencontro. Rencontro esse feliz e sobre o qual me brindou num dos seu artigos no jornal " O 1º de janeiro" no dia 28 de fevereiro de 2005 e num artigo lindissimo sobre Inês de Castro, no qual fez referência no ultimo paragrafo desse mesmo artigo a esse nosso reenconto. Artigo esse que como podem calcular guardo religiosamente. A esse junto tantos outros e tantas dedicatorias lindas que me presentiou. Foi realmente uma honra poder privar com tão maravilhoso SENHOR.E como já aqui foi dito pena que certas pessoas entrem nas nossas vidas tarde demais.
É de louvar que se façam homenagens justas a pessoas que fizeram por o merecer como o Professor Doutor Joaquim Montezuma e não se perca tempo com gente futil como ultimamente tenho assistido no nosso país onde tentam "dourar a prata e pratear o ouro". Dando valor ao que não presta.
Abraço
Rosa Coutinho

Amaral disse...

Rosa
Obrigado por ter, neste meu singelo blog, prestado homenagem a esse grande (como diz e muito bem) SENHOR.
Joaquim de Montezuma de Carvalho era realmente uma pessoa fantástica. Só lamento não o ter conhecido pessoalmente (mas era como se o conhecesse) e lamento, também, tê-lo conhecido tão tarde. Passou pela minha vida a correr, mas foi o suficiente para me marcar.
Que Deus lhe dê o Eterno Descanso.
Para si continuação de uma Santa Páscoa,
Bjo