sexta-feira, 16 de março de 2007

AVAICHO OS INTELEQUETUAIS!...

Na edição desta semana da revista “Visão” (N.º732 – 15 de Março de 2007), na secção “Portofólio”, vem um artigo de Manuel António Pina («Avaicho os intelequetuais») que achei interessantíssimo. Faz-nos pensar e ler nas entrelinhas. Já na Bíblia se diz “quem tem ouvido para ouvir que oiça…” e eu acrescento quem tem olhos para ler, que leia. Aqui fica na íntegra o artigo


«Contava-se antes do 25 de Abril uma anedota em que dois amigos conversavam num café. Perguntava um: “Quantos são 2 mais 2?”. E o outro: “Quatro”. O primeiro de novo: “E quem foi o primeiro rei de Portugal?” “Acho que foi D. Afonso Henriques…” “Põe-te a pau, pá, que a PIDE anda atrás dos intelectuais!” A PIDE acabou entretanto, mas os intelectuais têm boas razões para continuarem desassossegados. Saber quantos são 2 mais 2 e quem foi o primeiro rei de Portugal (ou que a água ferve a 100 graus e ângulo recto a 90…) é ainda hoje algo capaz de suscitar mais hostilidade social do que acender um charro no meio da missa e o melhor que tem a fazer quem sabe coisas como essas é não o confessar a ninguém. «Intelectual» (normalmente diz-se «pseudo-intelectual») ou «académico» são os piores insultos que em Portugal se podem dirigir a um autóctone. E a suspeita de que alguém lê coisa diferente do Correio da Manhã e dos livros da D. Margarida Rebelo Pinto, ou que vê o canal Arte em vez de ouvir as prelecções do professor Marcelo, é suficiente para acabar com a carreira mais promissora. Pacheco Pereira, no PSD, e Manuel Alegre e Carrilho, no PS, que o digam.
Alegre, ainda por cima, lê e escreve versos e, entre nós, “poeta” é injúria pior do que “intelectual”. Aliás, é sabido que é por sermos um “país de poetas” que o défice público atingiu as épicas proporções que se conhecem com todo o seu interminável cortejo de prosaicas consequências para a bolsa das famílias. Por sua vez, Carrilho é “filósofo” e chamar “filósofo” a alguém, sobretudo a um político (mas não só: imagine o leitor que o vizinho lhe chama “filósofo” numa reunião do condomínio, admitiria uma coisa dessas sem lhe dar logo um tabefe?), é tão ou mais grave que chamá-lo de “poeta”.
Nas universidades, os estudantes que estudam em vez de copiar nos exames são “marrões” e os poucos que lêem são “ratos de biblioteca”, sendo que o problema não é serem “ratos” (ser “rato”, na política, nos negócios, na vida em geral, é um elogio que se agradece com um sorriso de modéstia), o problema é serem, bleugh!, de “biblioteca”. Um estudante “rato” é o que consegue tirar um curso sem ter lido um livro e que, metendo pela via rápida de qualquer juventude partidária, em pouco tempo chega a assessor de uma Secretaria de Estado, enquanto o colega “intelectual” continua estupidamente encafuado na biblioteca a preparar o mestrado para poder inscrever-se num Centro de Emprego.
“Marrão”, “rato de biblioteca”, “filósofo”, “poeta”, “intelectual”, “académico” são insultos que, em Portugal, nem aos árbitros de futebol se dirigem. Se algum imprudente adepto chamasse “intelectual” ou “filósofo” (há uns anos, um jogador chamou “filósofo” ao árbitro Jorge Coroado e apanhou poucas da Liga!) a um árbitro, este interromperia imediatamente o jogo e, virando-se para a bancada, gritaria: “Intelectual é a tua mãe!”, o que resultaria num sururu pior do que se a equipa da casa perdesse com um penalty no último do prolongamento (e a mãe do adepto, envergonhada, não voltaria decerto a sair à rua até ao fim da época). E nenhuma companhia de seguros cobre as consequências resultantes de um condutor chamar a outro “poeta” num engarrafamento em vez do inofensivo e portuguesíssimo filho desta ou daquela.
Recordo-me de um antigo cartoon de Siné com uma manifestação encabeçada por um cartaz garatujado com a palavra de ordem «Avaicho os intelequetuais!». Sempre acreditei que fosse uma homenagem de Siné ao bom povo português.»

(José Amaral)

5 comentários:

Anónimo disse...

Bem visto,dá que pensar sobre a mentalidade dos portugueses...bela ironia.

Anónimo disse...

Boas,

antes de mais, parabéns pelo teu blog. Tens apresentado temas actualizados com pontos de vista culturalmente interessantes. Continua assim.

Em relação ao artigo, suberbo. É incrível a veracidade do mesmo. E o pior é que enquanto as mentalidades não mudarem, as coisas vão continuar assim e não vamos sair do mesmo.

Esperemos que haja um despertar para a mudança proximamente.

Um abraço,
Celio

Amaral disse...

Inconformist
Ironia é sermos "tacanhos" e termos prazer em sê-lo, assim o país não evolui.

Célio
(antes de tudo um abraço e prazer em ler-te por estas bandas)
Também gostaria de ver um desperta, mas temo que o comodismo português aliado ao chico-espertismo não o permitam. Mas, enquanto há vida...

Bom fim-de-semana a ambos

CMatos disse...

De facto, hoje os "ratos" e os "chicos espertos" é que nos governam a vidinha, e o resto que se lixe!

Amaral disse...

Matos
cada vez mais essa é uma realidade lamentável.
Como diz o zé-povinho "quem se lixa..."