sábado, 22 de julho de 2006

Destino? Fado?


destinos

A dulcíssima manhã acordara,

na alegre vida

de uma misérrima anciã.

Empunhava um dúctil adufe,

qual favo de mel,

donde escorria uma melíflua melodia.

Tocava em seu adufe,

como quem bate na alma,

um som ritmado

que convidava a morte

- essa sonsa -

a oscular-lhe a face.

Aquele adufe,

o seu,

empalmado parecia uma arma de arremesso,

pronto para o prélio.

Uma voz esganiçada

a golpes de adaga,

mas apurada pela idade,

vinda do fundo

da pecaminosa alma

entoava uma melodia

de um dulçor tamanho,

capaz de nos metamorfosear

em nefelibatas.

O enigmático poema,

em castelhano,

era desconhecido:

«... una mañana en que llovia,

una chica con pasado de mujer,

que tenia, como Diós, en las manos

el destino del mundo...».

A vivacidade do adufe

contrastava com a negritude

das paupérrimas vestes;

a seu lado,

barba intonsa,

cajado na mão,

seu úbere homem;

parecia guardar

o “rebanho” de filhos,

descalços e ranhosos,

mas alegres por verem

que a sua mãe

começava a ganhar

o prélio travado

entre ela e o adufe,

entre a letra e a melodia.

As pancadas suavemente fortes

ecoavam por montes e vales

anunciando,

aos quatro cantos do mundo,

que aquela “mujer” de idade provecta,

cansada da vida,

estava, apenas, à espera

... da morte.

in Oráculo Luminar, José Amaral

2 comentários:

Anónimo disse...

Um quadro de uma força telúrica incrível...belo cenário digno de qualquer quadro de Bosh ...as antíteses e a eterna interrogação no meio deste imenso cosmos...onde a vida canta e grita.
B.

Anónimo disse...

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