segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Poema

Hoje publico um poema de Jorge de Sena (não digo que seja a pedido da Meg...). Vale a pena lê-lo com muita atenção. Lê-lo, só, não chega é preciso relê-lo.
(Este post é para o meu amigo Professor Doutor Joaquim de Montezuma de Carvalho).

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.


(José Amaral)

4 comentários:

Isabel Filipe disse...

bom ...

não conhecia o poema ...

e sem dúvida é óptimo ...


só que, contudo e apesar de tudo, continua a ser a minha pátria ...

beijinhos

Amaral disse...

Isabel
Sem dúvida que continua a ser a nossa pátria, mas há quem consiga poetizá-la desta forma maravilhosa. Contudo, alguns haverá que não gostam.
Bjo

Anónimo disse...

salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância

Meg disse...

Caro Amaral,
Há dois dias ou mais que estou com problemas e não consigo entrar na maior parte dos blogues, e quando entro, não consigo comentar. Por isso não tinha vindo aqui.
E mesmo agora estava a ver que não era desta.

E queria agradecer-lhe a publicação de um dos poemas de que mais gosto... e no dia do aniversário do Jorge de Sena.
Obrigada e agora vamos ver se isto publica...
Um abraço e seja o que Deus quiser