terça-feira, 31 de julho de 2007

Morango silvestre...

Morreu Bergman, o imortal
A mensagem que transmitiu, sempre através de personagens eloquentes mas terrivelmente solitários, foi a de uma alvorada sem redenção possível. "A minha necessidade é estar morto" - diz-se no interior gelado de "Morangos silvestres" (1957), uma das suas obras-primas. "Absolutamente, totalmente, morto". Exactos 50 anos depois, Ingmar Bergman, sueco, 89 anos, considerado por demasiados o maior cineasta de sempre, morreu.
A sua última aparição pública deu-se no início deste mês na habitual bruma da ilha de Faarö, que o abrigava no mar Báltico e que tantas vezes filmou. Foi uma imagem penosa Bergman, metido numa cadeira de rodas, inerte, silente, doente, muito, muito cansado, deu-se a ver brevemente na homenagem dos seus 50 anos de carreira.
"Ele partiu calma e docemente", disse ontem a sua filha Eva Bergman, que revelou a notícia à agência sueca TT sem precisar a razão da morte ou a data do óbito. Segundo o jornal sueco "Dagens Nyeter", o cineasta morreu ontem de manhã, por volta das seis horas. O local e data do funeral não foram ainda revelados.
Cineasta dos cineastas
Não é só a Suécia que o chora - é o mundo que vê cinema. "Bergman era o cineasta dos cineastas", disse o presidente da associação de realizadores americanos, Michael Apted, que achou a súmula para o novo vácuo "Ele era a encarnação do cineasta".
Criador de coisas magníficas, complexas, inteligentes, que marcaram a imaginação e que inspiraram outros no mundo inteiro - o português João Mário Grilo fala numa "nova capacidade de simular e de inventar, com uma dimensão onírica" -, Ingmar Bergman exorcizou em toda a sua obra uma infância traumática. O resultado foram diversas obras-primas que exploraram essencialmente a ansiedade sexual, a solidão e a imensa procura de um sentido para a vida.
"Acima de tudo houve sempre Bergman", disse Woody Allen quando o sueco fez 70 anos. "É, provavelmente, o maior artista de cinema desde a invenção da máquina de filmar". João Lopes, professor universitário, crítico de cinema e 'bergmaniano' confesso, resume o desaparecimento assim "Se pusermos as coisas de forma simples, é como se tivéssemos perdido o Mozart do cinema".
Numa carreira que teve um arco de meio século - 54 filmes, 126 produções de teatro e 39 peças para rádio -, Bergman não foi nunca um cineasta fácil, dedicando-se a temas como a praga ou a loucura, mas era a mais clamada personalidade escandinava. Filmes como o duelo relacional "Cenas da vida conjugal", o clássico crepuscular "Fanny e Alexander" (quatro Oscars, inclusive o de melhor filme estrangeiro) ou o derradeiro "Saraband", elevaram-no a mestre do cinema, emprestando à Suécia uma permanente reputação de melancolia.
Os historiadores e os críticos, que lhe louvam as técnicas inventivas no jogo de grandes planos e sombras com diálogos incisivos, agruparam as suas temáticas recorrentes repressão, culpa e castigo. Numa rara entrevista à agência Reuters, em 2001, o cineasta revelou que os seus demónios pessoais atormentaram-no e inpiraram-no durante toda a vida. "São inumeráveis os demónios, aparecem nas alturas mais inconvenientes para criar pânico e terror", disse. "Mas aprendi a controlar as forças negativas e a fazer delas uma vantagem artística".
Entre os muitos cineasta que ontem choravam, Szabo, August, Allen, Angelopoulos, foi Andrzej Vajda, polaco, que o definiu melhor "Ele deu-nos esperança porque nos fez acreditar que se quiséssemos dizer alguma coisa acerca de nós próprios, o mundo haveria de reparar em nós".

(in Jornal de Notícias, edição online 31AGO07)

8 comentários:

Anónimo disse...

pouco mais poderei acrescentar!
fica a excelente obra de Bergman, para o imortalizar.

abraço

Isabel Filipe disse...

sem dúvida que o mundo da 7ª arte ficou mais pobre....

bjs

Unknown disse...

ola Amaral
um senhor do cinema deixa de estar entre nós, ficamos com a obra dele.
um abraço

Amaral disse...

Adesenhar
isso é verdade. Faz agora um ano tive a oportunidade de ver a quase totalidade dos filmes dele.
Fazem-nos pensar...
Abraço

Amaral disse...

Isabel
Bem mais pobre. Embora eu ache que em Portugal está muito desconhecido.
Bjo

Amaral disse...

João Oliveira
Ainda bem que fica a obra. Se não viu muitos, não perca pelo menos os "Morangos Silvestre" e "Saraband".
Abraço

Menina do Rio disse...

A morte comanda a vida!

beijos

Amaral disse...

Menina do Rio
A morte não comanda a vida (desculpe discordar), a morte põe termo à vida. O que comanda a vida é o sonho...
Bjo