terça-feira, 26 de junho de 2007

Um génio poético

Alexandre O’Neill, poeta português, nasceu em Lisboa, mas é descendente de irlandeses. Autodidacta, fez os estudos liceais, frequentou a Escola Náutica, trabalhou na Previdência, no ramo dos seguros, nas bibliotecas itinerantes da Fundação Gulbenkian, e foi técnico de publicidade. Esta é uma das suas áreas mais reconhecidas. Durante algum tempo, publicou uma crónica semanal no "Diário de Lisboa". Em 1947, Alexandre O'Neill, Mário Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo, sobretudo com os seus “Cadáveres Esquisitos” e “Diálogos Automáticos”, que conduziam ao desmembramento do sentido lógico dos textos e à pluralidade de sentidos.A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda, manifestada no carácter lúdico do seu jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas — com a influência da tradição literária (de autores como Nicolau Tolentino e o abade de Jazente, entre outros). Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neo-realismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe opor. A solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte são temas que conduzem ao medo e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país. Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou publicitários, ou que reflecte a própria organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopeias ou de neologismos inventados pelo autor.
Acabei de (re)ler “Poesias Completas”, numa edição da Assírio & Alvim e que recomendo vivamente.

Portugal


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,

se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal,

o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,

rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,

não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,

galo que cante a cores na minha prateleira,

alvura arrendada para ó meu devaneio,

bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,

golpe até ao osso, fome sem entretém,

perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,

rocim engraxado,

feira cabisbaixa,

meu remorso,

meu remorso de todos nós...


(in Feira Cabisbaixa, 1965)


(José Amaral)

5 comentários:

Anónimo disse...

http://www.astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Alexandre+O'Neill

Esquecimento?

Amaral disse...

Anónimo
Não é esquecimento. Parte da informação está nesse sítio, mas não é única. Sobre O'Neill obtem-se informação (e muita) na internet, em Manuais escolares e em enciclopédias.
Mas, anónimo, se lhe apraz aqui fica a referência à página que indica.

Anónimo disse...

O seu a seu dono. Ou não?
L. R.

Amaral disse...

Anónimo
Tem razão, aqui me retrato.

Denise Figueiredo disse...

Nao vi o nome do poeta ao final do Poema poderia colocar?
Um abraço amei viu?