sexta-feira, 22 de outubro de 2010

poema


AventurA


Um dia aventurei-me,
fiz-me caminhante
pelos mesmos trilhos
que o comboio sulca.
A tiracolo levava uma viola
e na mão levava uma mala,
de madeira,
coberta de autocolantes,
que herdara de meu pai,
também ele emigrante.
No coração levava a esperança
numa vida menos madrasta,
e saudades infindáveis.

Ali ia eu, frágil,
como aquela velha mala.

As linhas paralelas infindavam-se.
Caminhava, eu, no meio dos carris
num andar doloroso,
compassado,
ritmado,
lento,
pesaroso.
Pé-ante-pé
de travessa em travessa,
lá seguia eu
sem olhar para trás
com medo de me acobardar
e desistir daquela gesta
hereditária.

O horizonte ainda longínquo
fazia-me tremer as pernas.
O meu País desaparecia
como um ponto negro.

A viola e a mala, agora,
pesavam já mais
do que a minha esperança.
O meu andar cambaleante
denunciava a existência
de um ser errante,
em busca do El-Dorado.

Eis, senão, quando a minha esperança
renasceu qual Fénix.
Vi um túnel ao fundo do qual,
como que por magia,
nascia uma luz boreal.
De braços abertos
corri para a luz.

(...)
No dia seguinte os jornais
noticiavam a morte
de mais um aventureiro.


(in "Poder da Díctamo", José Amaral)

2 comentários:

Al Cardoso disse...

E quantos morreram, embora esta morte tenha sido metaforica!
Lindo poema que a mim imigrante me diz muito!

Bem haja e um abraco dalgodrense

Amaral disse...

Al Cardoso
Ainda bem que este poema lhe é significativo. Para vós, emigrantes, um abraço fraterno.