segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Está a chegar

Natal

Leio o teu nome

Na página da noite:
Menino Deus... E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos,
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.


Miguel Torga


Poema de Natal

Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos

—Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos

—Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez de amor

Uma prece por quem se vai

—Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte

—De repente nunca mais esperaremos...

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.


Vinicius de Moraes

2 comentários:

Anónimo disse...

Vinicius...sempre com uma sensibilidade inigualável,concerteza que só podia ter sido uma pessoa encantadora...

Amaral disse...

Encantadora e muito humana. Feliz Natal