sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Conto de Natal

«FELIZMENTE HÁ NATAL»


A todas as crianças de Timor
Lorosae : “Feliz Natal...”


A ilha acordou bocejante. Uma acalmia desértica atravessava a ilha. Era véspera de Natal! As pessoas tinham, contudo, medo de pisar o crocodilo não fosse, espicaçado, rugir qual leão das estepes africanas. A guerra terminara, é vero, mas as pessoas ainda receavam – não fosse o diabo tecê-las – que houvesse um volte-face.
Na rua surgiam, como cogumelos vindos de nenhures, as cabecitas das criancitas; os seus olhos, enormes, pareciam candeias a iluminar uma noite escura e fria. Nas palhotas de colmo, luzes ténues tornavam o ambiente mais acolhedor. De entre todas as palhotas, a da Santíssima Trindade – nome dado àquela família por associação, poisque o pai era José, a mãe Maria e o filho Jesus – sobressaía. À porta um capão de porte imponente, com um esporão que assustava o mais afoito dos destemidos, servia de guarda. No quarto/cozinha/sala o menino, sentado numa manta de retalhos, escrevia uma carta ao Pai-Natal.
O Pai-Natal deste petiz era diferente do dos outros meninos – o vermelho do fato simbolizava o sangue derramado pelos timorenses; o branco das barbas era o símbolo da Paz.
Na sua carta, Jesus, pedia algo simples: “Peço-te, Pai-Natal, que dês um Natal aos meninos timorenses em que as prendas não sejam armas, balas..., em que os foguetes não sejam minas, granadas..., em que os Pais-Natal não sejam tropas vestidas com camuflados”.
O menino ficara na sala, de castigo, já que tinha saído de casa sem autorização de Maria, sua mãe. Naquele tempo era proibido sair de casa, ou melhor, não era aconselhável. O menino, porém, tinha ido buscar um balde de barro.
Após ter terminado a carta iniciou, empenhadamente, uma nova, mas não menos árdua tarefa. Moldava, com o barro, pombas. Foi essa a sua lida durante a noite. Assi, sem que desse por isso, adormeceu paulatinamente.
O dia 25 de Dezembro raiou, estranhamente ao habitual, melodioso. No ar ouvia-se a “Noite Feliz”, o “Adeste Fidelis”... A harmonia percorria a ilha. A vontade do menino nesse dia de Natal era ser o primeiro a testemunhar o nascer do dia. Queria ser o primeiro a gritar, a plenos pulmões: «Gloria in excelsis Deo». O sonho traíra-o. Quando acordou, estremunhado, apercebeu-se que já festejavam o primeiro Natal, em Paz, em Timor Lorosae. Então, pegou nas pombas e multiplicou-as; deu-lhes uma pigmentação esbranquiçada; alfim soprou-lhes nas cabecitas o sopro da vida e, num gesto libertador, deixou-as esvoaçar por sobre o seu País.
O sino repicou! As pessoas, céleres, dirigiram-se para a Igreja para celebrar a Missa da Natividade...


José Amaral


{Este pequeno conto foi publicado no “Jornal de Nisa” – N.º47, Dezembro de 1999}

2 comentários:

Anónimo disse...

Espero que este Natal possa ter para o povo Timorense a mesma carga simbólica do de 99!
Gostei do conto!

Amaral disse...

Obrigado Inconformist
eu espero mesmo é que os timorenses façam Natal todo o ano e não andem sempre em guerras.
Abraço