quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Poema de Natal


HISTÓRIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.


(Miguel Torga, in Antologia Poética, Coimbra, Ed. do Autor, 1981)

6 comentários:

Al Cardoso disse...

UM excelente poema do grande "Torga"!

Bem haja pela correccao!

Um abraco de amizade.

Amaral disse...

Al Cardoso
Torga e sempre Torga. A sua poesia enche-nos a alma e revigora-nos o espírito (não só o natalício).
Bom fim-de-semana
Abraço

Meg disse...

Caro Amaral

Estive a ler há dias este poema do Torga, e mais uma vez nos encontramos. Mas este Torga, poucos o conhecem. A rudeza não deixa adivinhar "isto"... o homem da aridez e das mãos calejadas.

Um abraço

Amaral disse...

Meg
Sem sombra de dúvida. Um Torga (raiz) tão rude de mãos com enxada e tão subtil de mãos com a pena.
Abraço

Isabel Filipe disse...

Grande Torga.

Este foi um dos primeiros poemas que decorei e recitei em miúda ...


beijinhos

Amaral disse...

Isabel
Que bela escolha a tua.Realmente é um poema belíssimo.
Bom fim-de-semana
Bjo