restos
“O Homem”,
como era conhecido
vivia num barraco,
isolado,
por onde a própria solidão
teimava em não passar...
Na rua, os cães ladravam,
mas a caravana não passava,
poisque, por ali, ninguém
ousava pisar terreno
Tinha trinta e três anos.
O papel de parede do seu barraco
feito de recortes de jornais
de tempos, idos,
em que ele fora famoso:
“menino-prodígio”
“medalha de ouro para inventor português”
“doutoramento em Oxford”
“milionário hereditário”
e...
... tantos outros títulos honoríficos.
Entrementes a vida
virou-se do avesso.
Mulheres de má vida,
jogos de azar,
tabaco e vinho,
eis os carrascos
d’ “o Homem”.
Vivia dos restos
que catava nas vicinais lixeiras,
já que, por vergonha,
- se a um mendigo
lhe é permitido tê-la –
não estendia a mão
nem batia às ricas portas,
que se fechavam
sem nunca se haverem aberto.
As lágrimas,
amargas,
sulcavam rugas naquele belo rosto
coberto por ruivos pêlos,
lavando-lhe os remorsos
de ter sido um mendigo
enquanto homem,
e de ser “o Homem”
enquanto mendigo.
A Via-sacra da sua
mendicante vida
aproximava-se do Calvário,
já que a sua cruz,
pesada,
esmagava-o contra a terra
que o convidava a
tornar-se em pó.
Morreu...
Ninguém deu pela sua falta;
a vicinal lixeira acolheu-o
e deu-o como restos
...aos bichos
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