Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manuel Bandeira)
60 Anos
Antes o dia continha seu próprio significado
Hoje
Miro coisas que não entendo - leis turvas
E rostos ilegíveis -
A vida
Varre os domingos
O rumo se perdeu
Na desordem das águas
Por isto
Meus ossos rangem
À mutação das coisas e seu desígnio
(Cláudio Feldman)
Poema do jornal
O fato ainda não acabou de acontecer
o transforma em notícia.
O marido está matando a mulher.
A mulher ensanguentada grita.
Ladrões arrombam o cofre.
A polícia dissolve o meeting.
A pena escreve.
Vem da sala de linótipos a doce música mecânica.
(Carlos Drummond de Andrade)
Quero escrever o borrão vermelho de sangue
Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.
Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.
Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.
(Clarice Lispector)
(Clarice Lispector)
4 comentários:
De facto e triste e verdadeiro, muitos homens actuarem como bichos!!!
Adorei os poemas todos.
Um abraco d'algodrense.
uma bela escolha...
gostei essencialmente do 1º, que não conhecia ...
bjs
Al Cardoso
A poesia é uma arte belíssima é pena que os nossos políticos não leiam poesia.
O mundo seria melhor.
Abraço
Isabel
Obrigado. Pelo menos assim vamos lendo alguma poesia.
Bjinho
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