Não resisti à tentação de publicar na íntegra este excelente artigo de opinião de Vasco Graça Moura (escritor), intitulado «A TLEBS em 2007», que saiu hoje na edição do “Diário de Notícias”.
Palavras para quê!
“Nos últimos meses de 2006 ficou amplamente demonstrado que a TLEBS [Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário] é um crime contra a língua portuguesa e contra o ensino e a aprendizagem dela. Fala-se muito da estratégia de Lisboa, da formação e da melhoria das qualificações dos estudantes portugueses, com vista a uma maior competitividade no espaço europeu. Mas, com a TLEBS, ficando em risco uma correcta aprendizagem da língua, em risco fica também a das outras disciplinas, nomeadamente das científicas, e todas aquelas excelentes intenções virão a transformar-se em letra morta. Sem falar, porque disso já muito se falou, nos prejuízos advenientes para a cooperação na área do ensino com os outros países de língua portuguesa, para a harmonização terminológica com o sistema brasileiro, para o ensino do português a estrangeiros.
No nosso sistema de ensino, as situações de desigualdade inaceitável crescerão como cogumelos. O regime experimental consagrado deixa a sua aplicação, em grande medida, dependente do critério dos professores. Ora a adesão, e mesmo a simples compreensão das novas regras, por parte dos professores, criam um universo de enorme heterogeneidade de comportamentos, de ritmos variáveis de aplicação, de processos de manuseamento desajustados e de metodologias equívocas de ensino. De maneira que, em termos de avaliação ou exame dos aproveitamentos escolares no fim de cada ano lectivo, não poderá haver critérios-padrão. E, sendo assim, os alunos serão colocados ante situações de clamorosa injustiça que corresponderão a uma efectiva desigualdade perante a Lei. O sarilho será de uma extensão e de uma complicação indescritíveis. Nenhum tribunal a que os pais dos prejudicados recorram poderá ignorá-lo.
Não se percebe por que razão o Ministério da Educação não suspendeu ainda a aplicação da TLEBS. Sabe-se que há a intenção de organizar uma conferência sobre o assunto. Mas uma conferência, podendo talvez fornecer perspectivas de enquadramento úteis, não resolve questões especializadas. Uma terminologia gramatical deve ser estabelecida por especialistas que sejam capazes de assumir por ela a responsabilidade.
Foi assim em 1967, com o Prof. Paiva Boléo a fazer o anteprojecto e, depois, a presidir à comissão que fixou a nomenclatura gramatical.
O Ministério da Educação deveria nomear já uma comissão de peritos, de reconhecida competência e de orientação científica diferente daquela que inspirou a TLEBS, conferindo-lhe o mandato de rever e corrigir a terminologia e de apresentar um anteprojecto no mais curto espaço de tempo. Enquanto esse resultado não for atingido (e não o será sem surgirem novas gramáticas, como salientou João de Andrade Peres), a única solução coerente será repor provisoriamente a vigência da nomenclatura de 1967.
Faço notar que atacar a incompetência que os serviços do Ministério revelaram em tudo isto não é atacar ou desprestigiar as vozes ou o trabalho científico muito respeitáveis de figuras universitárias que parece defenderem a TLEBS, por muito que a sua intervenção venha dando lugar a discordâncias.
É certo que essas vozes académicas, revelando nisso algum autismo, vêem menos a realidade do que a consagração na TLEBS, bem que defeituosa, descoordenada e atabalhoada, das suas próprias teorias científicas, o que poderá deixá-las pouco à vontade na matéria. Mas, bem vistas as coisas, o que elas defendem, no fundo, é a necessidade de revisão da nomenclatura de 1967, não propriamente o inconcebível instrumento aprovado pela Portaria n.º 1488/2004 e a que este Governo já voltou, coonestando-o, pela Portaria n.º 1147/ /2005, de 8 de Novembro. Porque esse instrumento, como se vê das entrelinhas de quanto essas mesmas personalidades têm dito e escrito, não é satisfatório enquanto tal, mas sim um esboço de sistema in progress que carece ainda de ser testado e revisto.
Quando um produto é perigoso para a saúde pública, logo as autoridades o mandam retirar da circulação e venda. A situação é parecida. A TLEBS é um composto de alta perigosidade para a "saúde pública" escolar, como já foi demonstrado de inúmeras maneiras, no plano científico, no plano jurídico, no plano pedagógico e no plano prático. Por muito que isso custe ao Governo, a solução está à vista e não há mais nenhuma. E é o interesse nacional mais abrangente que está em jogo.
O pior cego é aquele que não quer ver. Em política, e muito especial em política de educação, isso paga-se muito caro”.
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