destinos
A dulcíssima manhã acordara,
na alegre vida
de uma misérrima anciã.
Empunhava um dúctil adufe,
qual favo de mel,
donde escorria uma melíflua melodia.
Tocava em seu adufe,
como quem bate na alma,
um som ritmado
que convidava a morte
- essa sonsa -
a oscular-lhe a face.
Aquele adufe,
o seu,
empalmado parecia uma arma de arremesso,
pronto para o prélio.
Uma voz esganiçada
a golpes de adaga,
mas apurada pela idade,
vinda do fundo
da pecaminosa alma
entoava uma melodia
de um dulçor tamanho,
capaz de nos metamorfosear
em nefelibatas.
O enigmático poema,
em castelhano,
era desconhecido:
«... una mañana en que llovia,
una chica con pasado de mujer,
que tenia, como Diós, en las manos
el destino del mundo...».
A vivacidade do adufe
contrastava com a negritude
das paupérrimas vestes;
a seu lado,
barba intonsa,
cajado na mão,
seu úbere homem;
parecia guardar
o “rebanho” de filhos,
descalços e ranhosos,
mas alegres por verem
que a sua mãe
começava a ganhar
o prélio travado
entre ela e o adufe,
entre a letra e a melodia.
As pancadas suavemente fortes
ecoavam por montes e vales
anunciando,
aos quatro cantos do mundo,
que aquela “mujer” de idade provecta,
cansada da vida,
estava, apenas, à espera
... da morte.
in Oráculo Luminar, José Amaral
2 comentários:
Um quadro de uma força telúrica incrível...belo cenário digno de qualquer quadro de Bosh ...as antíteses e a eterna interrogação no meio deste imenso cosmos...onde a vida canta e grita.
B.
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