domingo, 16 de julho de 2006

Coragem e Sensatez

Fizeram chegar à minha caixa de correio electrónico uma carta à Ministra da Educação - provavelmente muitos outros já receberam - que passo a publicar no meu blog, por achar que é uma carta "corajosa" e com a qual eu concordo grandemente.

Carta à Ministra da Educação

Minha Cara Maria de Lurdes Reis Rodrigues

Nos tempos que correm, você é, digamos, a face visível do meu patrão, o Ministério da Educação. Não me sinto, porém, "seu" empregado; sinto-me seu igual. Sou também, como você, professor (há mais de duas décadas), tenho, de vida, alguns anos a mais do que você (para infelicidade minha), escrevo e publico poesia (e sempre gostei de partilhar poesia com os meus alunos, apesar de não ser professor de Português ou de Língua Portuguesa) e, talvez diferentemente de você, quando entrei para a Faculdade, não planeava ser professor, mas jurista. E, antes de ter optado por ser professor, fiz outras coisas na vida: fui tradutor, fui assessor jurídico, fui advogado, fui jornalista, fui gestor comercial. E tenho três filhos, dois dos quais estão ainda no ensino básico e em escolas "públicas", quero dizer, escolas "do Estado". Tenho pensado, escrito e publicado "alguma coisa" sobre educação, currículo que, infelizmente, não lhe reconheço. Não sei, por isso, francamente, entre nós, quem terá mais autoridade para falar de educação e de ensino. Claro: você é a Ministra da Educação: tem autoridade política. Mas não era desta "autoridade" (circunstancial) que eu falava. Referia-me a outra: aquela que decorre da reflexão, da experiência e do interesse (não profissional,corporativo ou político, mas "civilizacional"). Tenho, diante dos meus olhos, um Despacho assinado por si, datado de 7 de Junho (ou seja, de anteontem). Está para publicação no Diário da República. Estabelece (transcrevo-o) " regras e princípios orientadores a observar, em cada ano lectivo, na elaboração do horário semanal de trabalho do pessoal docente" (...), "bem como na distribuição do serviço docente correspondente". Define ainda " orientações a observar na programação e execução das actividades educativas que se mostrem necessárias à plena ocupação dos alunos dosensinos básico e secundário durante o período de permanência no estabelecimento escolar". Não quero discutir consigo o conteúdo do Despacho. É, simplesmente, mais um Despacho, uma fórmula legislativa que os episódicos governantes deste pobre país gostam muito de usar para dar a entender (coitados!) que sabem e que podem. Não leve a mal que a desiluda: de Despachos Ministeriais (bem ou mal intencionados) está o inferno (e Portugal) cheio. Em mais de duas décadas, não sei de nenhum Despacho que tenha, efectivamente, contribuído para mudar a qualidade das aprendizagens dos nossos alunos (quero dizer: dos nossos filhos). Você sabe tão bem quanto eu: precisamos de professores qualificados, profissionalmente autónomos e responsáveis e motivados. Mas não acredite que os crie por Despacho. E com Despachos como este, e com todas as declarações que tem vindo a fazer sobre os professores (e não discuto sequer se com razão ou sem ela), só tem conseguido, liminarmente, uma coisa: humilhar e desmotivar os professores em geral, os competentes e todos os outros. Escolheu, imprudentemente, o caminho errado. Porque você ainda não percebeu que não basta ter autoridade política para "mandar" e para "mudar". É preciso suscitar a paixão, o entusiasmo, a clarividência, o pundonor. E, nesta arte, você tem-se revelado, lamento muito escrevê- lo, completamente incompetente. Conseguiu apenas fazer-se odiar (pelas melhores e pelas piores razões). Não vejo, sinceramente, como o ódio que, actualmente, os professores lhe devotam poderá contribuir para a felicidade dos meus filhos. Lamento muito (repito) escrever isto, porque até comecei por simpatizar consigo. Continuo a considerá-la uma pessoa bem intencionada. Mas, porventura mal aconselhada, errou o método e o alvo. E agora já é muito tarde para voltar atrás e reganhar a confiança daqueles que deveriam ser os seus principais aliados. Com toda a franqueza e com toda a frontalidade, entre colegas, permita-me que lhe diga: acho que deveria demitir-se e dar o lugar a outro. Talvez ao António Nóvoa, agora o seu Reitor, se ele estivesse disponível para colar os cacos que deixou (infelizmente, não acredito que quisesse). Pena que, em devido tempo, não se tivesse aconselhado com ele...

Ademar Santos

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